sexta-feira, 9 de março de 2012

Vinho seco



Quantas luzes, champanhe, mulheres servindo caviar.

Eu, debruçado entre as espumas, na banheira do hotel cinco estrelas.

- Neve, por favor.

Da janela vejo em uma perspectiva panorâmica a cidade luz, viva. Conforto-me com a música ambiente: Madrid. Usufruindo da sorte, abusando da boa vontade divina. Sou apenas um corpo nu, desmistificado, obsceno, acumulando sensações.

- Venha cá. Chamo por Simone, uma francesa de olhos claros, típica européia.

Ela vem até mim, lentamente. Seus lábios são linhas perfeitas, traços como se fossem feitos a mão, uma dinâmica externa estética imprescindível. Eu bebo, esqueço, eu bebo o esquecimento, me perco.

- Deite-se comigo.

Sua voz soa sorrateiramente em meu ouvido direito, um sussurro, uma carreira na narina. Afundamos simultaneamente com o champanhe refinado, somos a própria substancias das coisas.

Minhas mãos deslizam em seu corpo e pele macia, uma luz tênue reflete em sua cor, como se estivesse nevando. Eu extasiado, como se estivesse envolvendo-me com uma espécie de entidade extraordinária. Logo, beijo sua boca, minha língua vai de encontro com a sua, nos tragamos. Um beijo aconchegante, como se estivéssemos apaixonados, como adolescentes em sua primeira vez. Não obstante, a mesma língua vai de encontro com seus seios, mamilos chupados, pegadas firmes. Geometricamente precisos em harmonia com o encaixe de minhas mãos inquietas, não poderiam ser mais justos.

Seus cabelos cobriam meu rosto, nos tornando duas faces, boca com boca, nariz com nariz, éramos como o beija-flor e o néctar. Nossos corpos fervilhavam, a música soava de acordo com a flexibilidade de nossos quadris. Tudo se encaixava. A espuma era soprada pelo vento frio da noite iluminada.

Ela, esbelta, acariciando minha nuca. Acolhendo-me, afogando-me de prazer. Passo a respirar vagarosamente, profundamente, suspiro. Ela corresponde. Nossa sexualidade é um quadro expresso, uma obra de arte cativante. Somos atraídos, sugados por nós mesmos, um amor narcísico, que reflete na pupila de nossos olhos cristalinos.

- Sou seu espelho. Ela diz.
- Eu te amo.

Somos a poesia intrínseca da existência, o reflexo da liberdade de escolha, estamos aqui porque determinamos isso. E não há nada que possa nos impedir.

Na medida em que nossos corpos se enroscam, a água morna nos banha. Acendo um cigarro, ela traga. Sopra fumaça em minha cavidade oral, eu trago e sopro novamente. Ela mergulha, trata de brincar. Eu, sorridente, como se fosse demais, ajudo-a voltar à superfície. É irrevogável, estamos irremediavelmente perdidos, somos a oferenda de nosso instinto, embriagados de nós mesmos.

Uma efervescência de toques, incontroláveis. Oh, minha linda Paris. Que graça este pedaço de paraíso.

Em essência, estamos nos unindo, focando nosso ato em pro de suprir a necessidade que temos de nós mesmos.

À esquerda, minha taça de vinho envelhecido. Simone pega a garrafa, derrama em meus lábios; suga, lambe, bebe. Beija-me, joga o vinho pela janela. Seus olhos fitam meu desejo, meu desejo a domina, corpo e mente. Voltamos ao início, a soma de tudo que ocorreu.

Na narina esquerda uma carreira de neve. Não existem leis, aqui somos os próprios legisladores. Queremos morrer, nos abastecer, que nossos corpos sejam cinzas, para que assim a terra nos trague e o vento nos sopre, caídos. Somos intocáveis.

Pego-a em meus braços, seguro-a, introduzo meu terno afeto.

Arrepia-se, contorce-se. Arranha minhas costas, coloca as mãos em meus ombros, fecha os olhos. Agora, nos movimentamos. Queremos demais, não nos cansamos.

Penetro-a, afogo-a, estrangulo-a, ouço o barulho da água saindo na banheira, seus olhos apavorados, fitados nos meus.

Removo-a do fundo, trago-a novamente. Largo seu pescoço. Ela não reclama, diz que foi divertido, gosta da situação. Não tem medo. Abraça-me, e faz com que meus pensamentos sejam seus. O cigarro ao lado direito, no cinzeiro, quase no fim, é tragado e apagado por ela em meu braço molhado.

Me seduz de maneira inegável. Conforme vou descendo, adornando seu corpo com espumas. Ela brilha como uma estrela solitária. A lua em nossa frente, nos banhando. O céu escuro, repleto de pequenos corpos celestes; enlouqueço, apago inerte.

Respiração boca a boca. Acordo. Sinto seus seios massagearem meu tórax. Excitando-me. Seus movimentos são cuidadosos. Sinto suas nádegas. Estou calmo. Preciso de mais uma carreira. Bebo champanhe.

A neve vem com velocidade, percorre minha cavidade nasal. Indolor. Sinto o amargo descendo por minha garganta e meus dentes petrificarem-se. Meus lábios perdem a sensibilidade, minha língua incapaz de sentir qualquer sabor, insípida.

É hora de sair. Levanto-me, vou de imediato ao toalete.
Simone continua deitada, fumando demasiadamente. Aspirando e respirando a noite de Paris. De longe, parece uma pintura, uma deusa. Seus longos cabelos de coloração mostarda, soltos. Seus seios cobertos por espuma. Lábios carnudos, olhar penetrante, fixo, petrificado. Inerte. Como se nada tivesse importância. Seu corpo níveo chega a confundir-me quando espumado; como se estivesse em uma banheira diluída a leite.

Na mão esquerda o cigarro de filtro vermelho. O vento se encarrega de tragar. As cinzas caem na água, afundam-se sozinhas. Simone não se importa, ela não ama, ela não sente. Traga tudo que estiver ao seu redor, devora incansavelmente. Só admira a si mesma, seu amor próprio é superior a qualquer coisa. É dona do mundo, de mim, do universo.

Sua indiferença exala pelo quarto, juntamente com o ar frio, percorre minhas veias de maneira indecente. Permaneço perplexo diante de tudo. Simone diz que é meu espelho, e eu digo que sou seu reflexo. Sou a imagem dela mesma, densa, complexa. De uma vontade insaciável, incontrolável, fora do comum. Atraímos-nos, nos tragamos. Não existem limites.

O ar seco vai de encontro com nossa atmosfera mítica. Transpondo a cena de duas galáxias. Na infinidade de orgasmos sentidos. Não existe razão alguma para evidenciar este caso, um crime impensável. Nossa carne é praticante de atos inadequados. Somos os únicos suspeitos, imperfeitos, nos idolatrando.

Mentíamos demais, não éramos autênticos. Mentíamos no olhar, nos gestos e até mesmo fingíamos, exagerávamos em tudo. Tudo ilusão, nossa criação genuína. Nosso âmago disperso, sem considerações alguma. Amando o vazio existente, a corrente vaga de nossas certezas. Quanto mais vazios, mais insatisfeitos.

Insatisfeitos, é o que somos. Vazios, secos, precursores da errática decisão, amar ou não? 

Amar ou não?

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